Sempre me vangloriei de minha acurada visão. Letras miúdas, de longe, de perto, detalhes em cenários, defeitos em impressos. Aí, completei 40 anos e a perspectiva mudou – literal e figurativamente. Olhos cansados, desgastados pelo uso incessante de aparelhos eletrônicos, pediram arrego. Não satisfeita com o diagnóstico de hipermetropia, as anamneses vinculadas aos resultados de alguns exames encontraram um traço hereditário passível de atenção – o glaucoma. Não carrego a doença, apenas vigio as circunstâncias para devido controle e prevenção (se é que existe).
O glaucoma, grosso modo, encolhe o campo de visão, que fica cada vez mais direcionado. Como se o exercício do foco fosse levado ao extremo, permitindo enxergar apenas aquilo que se põe imediatamente à nossa frente. As vítimas de astigmatismo também sofrem com a perda do foco, uma visão turva e embaçada. E o que isso tem a ver com relações comerciais?
Ter foco é importante. As organizações passaram por uma porção de entendimentos a respeito deste assunto. Nos idos de 1960, Theodore Levitt publicou um artigo que ganhou fama, chamado “Miopia em Marketing”. No texto, provoca a visão das organizações a buscarem ampliar seu olhar. A velha história de que não estamos no ramo de atuação restrito por nosso produto ou serviço – e sim no mercado das soluções possíveis, buscadas pelos clientes. Aquele lance de não se autoproclamar, simplesmente “taxista”, por exemplo, e sim atuar no mercado de transporte.
Miopia, neste caso, é não ser capaz de enxergar um palmo à frente do próprio nariz, apaixonando-se excessivamente por seus próprios produtos e serviços, ao invés de olhar, de frente, nos olhos daquele que é a verdadeira razão de ser do negócio – o cliente (ou associado, consumidor, comprador, beneficiário, correntista, ou quaisquer outros apelidos desejados na tratativa daquele que é impactado, e paga, pelo que temos a oferecer).
Glaucoma, miopia, astigmatismo, hipermetropia... são inúmeros os problemas de visão que podemos desenvolver – em nosso olhar individual, assim como em nossos negócios. A compreensão de que é preciso substituir o foco no produto pelo foco no cliente tem variantes. Há quem diga que a busca necessária é pelo foco “do” cliente. O termo “do”, segundo o dicionário, representa a contração da preposição “de”, que ilustra relação de subordinação ou dependência; e o artigo definido ou pronome demonstrativo “o”. O foco é dele, dependente e subordinado a ele – e sendo assim, compartilhará com quem bem entender e se sentir confortável.
Para enxergar a partir da ótica do outro, há de se estabelecer relações de confiança, pautadas na empatia. Há de se pedir relatos sobre sua própria forma de ver o mundo, para buscar a maior aproximação possível ao seu modo de enxergar. Aliás, o mundo aqui em discussão, é o mundo do próprio consumidor. Ninguém melhor do que ele mesmo para definir o que é relevante, o que é valoroso, o que é preponderante em seu processo de tomada de decisões – especialmente as decisões de compra, que aqui tanto nos importam. Nas palavras de Mark Twain, uma afronta ao senso comum: “Não trate os outros como você gostaria de ser tratado. Seus gostos podem ser diferentes.” Fica a dica, nos negócios e na vida.
Por Maíra Santiago, diretora-presidente da Cooperativa Coletiva