Algumas escolhas parecem necessárias para o nosso desenvolvimento, em momentos específicos da vida. Ao ouvir essa analogia, em forma de pergunta, nada parece muito positivo: o que você prefere ser – rabo de tubarão ou cabeça de sardinha? Nosso mal amor de nós mesmos, talvez gere essa sensação de impotência e conformismo.
Nos tempos de faculdade – uma graduação em administração de empresas, em faculdade renomada – as recomendações eram sempre para o caminho da grandeza. Mesmo que para isso, fosse necessário habituar-se à pequenez. Como se o sobrenome, esse que a gente adquire quando trabalha em algum lugar mais conhecido, fizesse valer a pena um certo grau de autoanulação. Sobrenomes de multinacionais pareciam soar melhor aos ouvidos dos professores, e toda a segurança de estruturas robustas tendiam a ser o aconselhamento aos aprendizes vorazes (mais pelos cargos e boas remunerações do que sedentos pelo próprio desenvolvimento, é bem verdade).
Alguns de meus amigos foram bem-sucedidos em suas carreiras em megacorporações. Tiveram ascensão rápida e adquiriram patrimônio interessante. Parece que, ao escolher o caminho do “rabo de tubarão”, colheram bons frutos. Fico muito feliz por eles! Porém, me enjoa um pouco a dualidade no modo de pensar. Acredito, de fato, que fizeram uma escolha, bancaram ônus e bônus, e estão desfrutando de suas decisões. E está tudo bem. De verdade. O mercado, e a sociedade, precisam dessa diversidade. Penso que a extinção de tubarões faria um estrago no oceano. Por serem predadores, é certo que mantém algum daqueles equilíbrios ambientais que os biólogos se dedicam a estudar.
As “cabeças de sardinha”, em contrapartida, são pouco valorizadas por não carregarem grande status em sua posição. Sardinha, peixe popular, barato, acessível e abundante. Talvez algum tom pejorativo aqui na analogia. Mas, o que parece em jogo, é decidir para onde vai, se guiado pelos próprios pensamentos. Morrem aos montes, todos os dias. Se o tubarão nos sugere robustez, a sardinha parece sinônimo de fragilidade. Em uma abocanhada rápida, deixam de existir, por ser presa fácil. Tantas estatísticas de mortalidade empresarial, que entra ano e sai ano, só ratificam a dificuldade de empreender solitariamente nesse mar que nem sempre “está pra peixe”.
Duas realidades bem distintas, facilmente passíveis de observação. Optar em ser “rabo de tubarão” pode ser um caminho interessante para a construção de uma carreira sólida, dedicada a uma grande empresa. Que bom termos profissionais que abraçam essa missão e ajudam a girar a economia. Escolher empreender (ou empreender, por falta de escolha mesmo!) é ser “cabeça de sardinha”. Valentes empresários, donos de seus negócios, que vencem as dificuldades diuturnamente e promovem a geração de empregos, num trabalho hercúleo que também fomenta o desenvolvimento da nação.
Até aqui, tudo muito previsível. Mas, nesse mundo de tantas mudanças, e de pessoas tão inquietas – em busca de propósito, de desenvolvimento espiritual, de equilíbrio pessoal e profissional, em busca de fazer da vida algo que deixe um legado – são tantas as nossas buscas, é muito comum perceber as transições entre tais modelos. E é aí que “a porca torce o rabo”.
O mindset da segurança e da estabilidade – com boa oferta de benefícios e gordos bônus por performance – combina no contexto “tubarão”. É necessário maior enquadramento a normas e processos, sim, talvez tolher-se de um quinhão de liberdade, mas a justa recompensa ocorre financeiramente (é claro que o conceito de “justo” pode ser deveras achincalhado, mas sigamos).
Já as “sardinhas” não tem nenhuma segurança e nem sabem se haverá alguma remuneração no dia de amanhã. Porém, por motivos vários, se sujeitam ao risco e podem ter a recompensa do retorno. Nada garantido, mas sim buscado a cada manhã.
Ou não.
Quantas “sardinhas” seguem sem despertar que, para fazer acontecer um empreendimento, há de se movimentar e buscar o novo. Conheço alguns pares de empreendedores que, diante de seu próprio negócio, seguem exatamente a antiga rotina “do escritório” – inclusive com restrições severas aos próprios horários e busca por um enquadramento “funcional”. O que falta notar é que quem empreende deixa de ter plano de carreira e descrição de cargos e salários. O modelo é incerto, inseguro, imprevisível e, por isso mesmo, excludente para tantos.
Problema mesmo é abandonar estruturas robustas e tentar empreender visando as garantias e benesses que a robustez é capaz de garantir. Já vi – e acompanhei – a composição de pequenos negócios, em que os sócios debatiam suas remunerações. Sim, é necessário estabelecer a parte que cabe a cada um, o quão justa é a divisão dos resultados, qual será a medida do empenho empregue. Mas, o ponto crucial a que não se atinam é: não é mais o “chefe” que definirá suas remunerações. É o mercado. Sabe aquela máxima dos fisiculturistas: “no pain, no gain”? Pois é! Há uma “dor”, ou um sacrifício, para que os ganhos ocorram. Primeiro eu entrego, depois eu recebo. O ganho financeiro nada mais é do que o reconhecimento do mercado.
Mais do que o tubarão, o oceano é implacável. Aqueles que não se adaptam, fenecem.
Nassim Nicholas Taleb, em seu livro “Antifrágil”, defende que o revés da fragilidade não é a robustez. Sardinhas podem ser vistas como frágeis, tubarões como robustos – só pra ficar na nossa analogia. Porém, este oposto da fragilidade é algo tão subversivo para nossas mentes maniqueístas, que não é, ao menos, nomeado em quaisquer idiomas. Daí, o neologismo “antifrágil”. Mais interessante do que o robusto – que uma vez derrubado custa a levantar (lembremos do Titanic!), é aquele que, não apenas sobrevive ao caos, ao imprevisível, como também tira proveito dele. E, pra variar, a natureza é farta em exemplos neste sentido.
Se uma sardinha é frágil, um cardume é antifrágil. Entendido como corpo coletivo, adapta-se às circunstâncias e, em nome do bem comum, vez por outra perde alguns de seus indivíduos. Já assistiu algum vídeo de peixes se movimentando, em cardumes, pelo mar? Parece um balé! Uma coordenação hipnotizante, capaz de driblar boa parte dos predadores.
O cooperativismo já descobriu a antifragilidade há muito tempo. Aqui mesmo, no Brasil, há mais de 100 anos. A união faz a força, juntos somos fortes, sozinhos vamos rápido, juntos vamos longe. Frases que parecem clichês, para quem vive a vida do “cada um por si”. Mas verdades inabaláveis para aqueles que vivem o modelo – tão atual, tão justo, tão próspero. Porém, para ser bem sucedido, precisa superar um desafio gigante: nem rabo de tubarão, nem cabeça de sardinha. Aprender a pensar como cardume é o que pode nos levar mais longe. Sigamos tentando!
Por Maíra Santiago, diretora-presidente da Cooperativa Coletiva