E se os probos Pioneiros constituíssem uma cooperativa hoje? Quais seriam as dificuldades, provações, incentivos e oportunidades?
Em tempos de individualismo, aglutinar pessoas dispostas a primeiro dar, e só depois receber, seria um obstáculo inicial. Embora saibamos o quão desafiador é empreender sozinho nesse mundo de hoje, ainda assim a disposição verdadeira em se solidarizar mutuamente, seria uma bela barreira a ser superada.
Em sendo uma cooperativa de trabalho, pelo menos sete cidadãos dispostos a jogar juntos, buscando o bem comum. Parece pouco, né? Não necessariamente. Cada qual com suas necessidades e urgências pessoais, demandas e interesses individuais, sonhos e ambições profissionais. Cada ser humano, único. Em suas competências e potencialidades. Mas em suas manias e egoísmos também.
O convite a sair da gaiola pareceria atrativo no primeiro momento. Porém, a vida liberta traria consigo dificuldades e ameaças. Há quem pudesse se ver saudoso do cárcere. Afinal, gaiolas aprisionam, mas acomodam e garantem o sustento. O sábio Rubem Alves aponta: “os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas”. Voar pelas próprias asas, e em bando, seria desafiador – ou, quiçá, desesperador para alguns.
Os pioneiros hoje, teriam que enfrentar a lentidão burocrática, com um excesso de formalidades, quase punitivas em detrimento de empresas tradicionais. Enfrentariam o desconhecimento sobre atas e assembleias, leis e papeladas, tributações e fiscalizações. Trombariam com o conselho para não optar pelo cooperativismo, pois pareceria muito complicado. Além de complexo, muitas vezes malvisto pelas intenções enviesadas de mera precarização das relações do trabalho, (com frequência real, em um passado não tão distante, infelizmente!).
Para ser pioneiro atualmente, seria necessário desbravar o mercado. Mar vermelho ou oceano azul? Enfrentar a desconfiança de contratantes – “mas por que uma cooperativa?”. Encarar com coragem o boicote de concorrentes, com artifícios escusos de difamação ante aos clientes. Aliás, assim fizeram os donos dos armazéns nos idos de 1844… por que seria diferente em 2021?
O pioneirismo em nossos tempos precisaria ser resiliente, ou até mesmo antifrágil, para seguir adiante, apesar de tantas forças contrárias. Apenas com muita fé é que os probos pioneiros teriam força e energia para “carregar o carrinho”, de Rochdale à Manchester nos tempos atuais. A convicção de que “juntos somos fortes” teria que ir muito além de qualquer discurso.
Bateriam à porta de semelhantes, buscando intercooperação, mas receberiam muitos “nãos”. Trabalhariam diuturnamente, em prol de estruturarem-se como uma rede de apoio real e concisa, capaz de gerar trabalho e renda ao seus cooperados. Cada “sim” recebido, em contrapartida, seria celebrado e honrado, cooperando intensamente. Lembrariam, a cada momento, que é preciso seguir em frente, pela própria história, e pela história coletiva. Também encontrariam aliados e conselheiros, para superar ameaças e denúncias vazias.
Os probos pioneiros, em nosso tempo, inspirariam gente parecida, a cooperar pra valer! E, de pouco em pouco, atrairiam para perto, clientes, fornecedores, novos sócios, parceiros, amigos, familiares e comunidades, para fazer uma sociedade diferente. Prezando pela excelência no trabalho, pela qualidade na entrega, pela primazia das pessoas, conquistariam o seu lugar ao sol. E, acima de tudo, inspirariam muitos outros a acreditar que é possível um mundo mais justo, digno e o escambau.
Obrigada, pioneiros! Por nos fazer acreditar que é possível. Se assim foi no passado, por que não seria agora? As pedras no caminho continuarão a aparecer. Mas, conforme orienta o nosso patrono, juntos somos capazes de tirá-las da frente.
Gratidão a todos aqueles que vieram antes para nos inspirar.
Por Maíra Santiago, educadora corporativa, roteirista e diretora-presidente da Cooperativa Coletiva