Empreender um negócio é um processo árduo e solitário. Da maneira que as nossas empresas tradicionais foram pensadas, há um grande líder, investidor – de tempo, dinheiro, ideias e/ou trabalho, que, heroicamente, faz acontecer. Neste momento de crise, cabe à liderança tomar as decisões – reposicionamentos, cortes, ajustes. Claro que, à medida que as empresas se desenvolvem, mais gente acaba sendo envolvida para pensar alternativas e possibilidades – mas costuma haver “o cara”, para bater o martelo (diga-se de passagem, expressão repleta de sentido, uma vez que toma por empréstimo o poder de decisão dado ao martelo do juiz – todo poderoso tomador de decisões que interfere profundamente na vida das pessoas).
Será que no cooperativismo é diferente?
Se você ainda não conhece, o cooperativismo é um movimento, uma filosofia, ou um modelo de negócios em que as pessoas são tão importantes quanto os resultados. O cooperativismo é uma sociedade de pessoas que gera capital – e não uma sociedade de capital composta de pessoas. Parece jogo de palavras, mas não é!
Por fora, uma empresa comum; por dentro a gestão é democrática, com a participação de todos os associados nas decisões estratégicas da cooperativa. Independente do capital empenhado – o rico e o pobre, cada qual responde com a mesma chance de opinar: cada membro, um voto! No cooperativismo, não há solidão (ou não deveria haver!). Há cooperação, parceria e desenvolvimento.
Esse é um movimento global. Atualmente, o cooperativismo atinge cerca de 1,2 bilhão de pessoas, ou seja, a cada 10 pessoas, 7 são cooperadas. E existem 3 milhões de cooperativas em todo mundo (a gente as vezes fica muito alheio ao que não faz parte de nossa vizinhança, né? Baita movimento grande, mas altamente desconhecido!). Apenas 40% da população brasileira conhece o nosso movimento – se você faz parte da maioria, os outros 60%, vem com a gente que é tempo de desvendar essa boa história.
O cooperativismo teve origem em 1844 na cidade de Rochdale-Manchester, na Inglaterra, por causa dos estragos ocasionados pós-revolução industrial. Era um momento de dificuldade socioeconômica, com milhares de pessoas desempregadas e sem ter o que comer. Os poucos empregados eram explorados e trabalhavam em condições desumanas. Até que um grupo de 28 tecelões decidiu realizar ações para o fortalecimento das pessoas e daquela região, dando origem à primeira cooperativa do mundo. Esse movimento destaca uma característica peculiar presente no cooperativismo: se fortalecer nos momentos de crise.
O cooperativismo une aspectos sociais e econômicos, visando o bem-estar de todos os envolvidos – que são sócios do empreendimento. Essa filosofia é um contraponto ao modelo capitalista “raiz” (ou selvagem!), que busca o lucro a qualquer custo.
Excessivas jornadas de trabalho, preços abusivos, baixos salários, dependência de troca mercantil de mão de obra por salários pífios, exploração de toda monta, são exemplos de práticas combatidas pelo cooperativismo.
Uma pena aqui no Brasil ter havido um período em que cooperativas foram utilizadas para o contrário de tudo isso. Mero meio escuso de pagar menos tributação para a mão de obra, que seguia alienada e explorada. Uma porção de “cooperfraudes” foram responsáveis (ou irresponsáveis demais!) por deixar cair em descrédito o nosso movimento. Num passado recente, especialmente na região sudeste, muitos dramas de relações trabalhistas inadequadas contribuíram para o preconceito sobre o movimento. E, apressados que somos por aqui, talvez tenhamos deixado de dar ouvidos a este caminho alternativo. Que passa a ser urgente por agora.
Se a premissa de nossa doutrina é a cooperação, o tal “do cara” pode até existir, mas com um grande diferencial – ele tem sua atuação como representante “dos caras”: pessoas comuns, com gana de fazer acontecer, que entenderam que juntos são mais fortes e podem ir mais longe. Deste modo, o pensamento passa a ser de longo prazo, de cultivo. Pois todos querem ver seus investimentos, seja de tempo, de dinheiro, ou até mesmo de suor, frutificarem. É sabido que, depois do amadurecimento desses frutos virão novas sementes, que poderão se tornar outras árvores produtivas que poderão fazer sombra e nutrir os que virão.
Noções de sustentabilidade e responsabilidade social – que as empresas tradicionais parecem ter descoberto apenas recentemente – são prerrogativas do empreendimento cooperativista. O simbolismo dos dois pinheiros não é por acaso: um pinheiro representa o impacto social o outro, o impacto econômico. Ambos de mesmo tamanho – as árvores não devem se sobressair, para que não façam sombra e não atrapalhem o desenvolvimento da parceira. Somente por meio do desenvolvimento econômico estabelece-se o impacto positivo na sociedade. E sem o impacto social, o econômico não tem razão de ser. Eis a primazia do equilíbrio inerente às cooperativas.
Num momento como esse que estamos vivendo, no advento da pandemia do novo Coronavírus, muito se discute sobre o posicionamento das grandes lideranças organizacionais. Há quem defenda a vida, há que priorize a economia -como se um fosse questão de escolha ou de uma coisa contra a outra. É necessário que lideranças se posicionem para que as decisões sejam em favor da vida, da abundância, e não da morte e da escassez. São as pessoas que constroem as riquezas, e não o contrário! Sabemos, com convicção, que, depois dessa crise, muitas coisas mudarão – mas temos a grande certeza (e esperança!) de que a vida triunfará.
É tempo de buscar caminhos alternativos, pois foi o nosso sistema que produziu essa crise – sistema que gera desigualdade extrema, miséria, exploração (em geral, “o cara”, o lobo solitário, é movido pelo desejo de garantir sempre a maior fatia do bolo para si próprio – como contrapartida ao capital investido, e não necessariamente em relação ao trabalho efetivo empenhado). Não foi apenas a imunidade dos indivíduos que se mostra frágil e deficiente – há uma imunidade social que flagramos débil e suscetível. Seguir no caminho antigo apenas reproduzirá outras crises como essa que vivemos hoje – quiçá piores!
Lembremos que diversos momentos de dificuldades da humanidade, trouxeram posteriormente grandes evoluções, que em sua maioria só foram possíveis pelo poder da cooperação. Assim nasceu esse movimento que, em seu princípio, reforça e dá um norte do que precisamos fazer pra seguir em frente: olhar para o próximo com o verdadeiro interesse!
De nada vale o voo solitário. Vai ser rasante e insustentável – taí a fatura pra gente pagar! Muitos dos “caras” estão agora sozinhos, amedrontados, aflitos ou adormecidos. Outros (justiça seja feita!), seguem corajosos, propagando a solidariedade e a cooperação. Reaprendemos a necessidade de evoluir – juntos!
Fazer juntos não é mais fácil! Há de se buscar o envolvimento e a participação de cada um – e ser paciente com aquilo que cada ser tem disponibilidade de ofertar. Fazer juntos gera conflitos – de interesses, opiniões, crenças. Fazer juntos demanda energia, empenho, capacidade de conexão, perseverança e MUITA fé! Mas cremos que fazer juntos é um excelente e lindo caminho para alcançarmos novas, e mais justas, formas de viver. “O cara”, sozinho, certamente será capaz de construir muito pouco. Que cada um de nós saibamos nos conectar, cooperativamente, para a construção desse novo mundo que está por vir.
“Quero trabalhar em paz, não é muito o que lhe peço. Eu quero trabalho honesto, em vez de escravidão.”
Renato Russo
Nosso poeta, Renato Russo, talvez não tenha tido tempo para conhecer a doutrina cooperativista.
Sempre será momento de cooperar. Esse texto, foi um exercício de “fazer juntos”, escrito e pensado por seis pessoas – Erika, Luis, Fernanda, Otavio, Willyam e Maíra. Pode ter perdido um pouco de sentido ao longo do caminho. Mas foi o modo que encontramos de nos expressar. Temos a convicção de que as palavras, escritas ou faladas, tem grande influência em moldar nossos pensamentos e ações. Muitas vezes, elas até nos definem. Aqui há um pouco de cada um de nós. Que honremos o poder da escrita – considerada profética por tantos. Que os valores de empatia, amor ao próximo, resiliência, justiça e equidade – tão faladas por esses tempos, não sejam efêmeras. Afinal, esse momento vai passar. E quais palavras e ações que desejamos escrever?
Texto coletivo por Coletiva