Um dia desses assisti ao filme - O Amor é Contagioso (Patch Adams, 1998), que conta a história de Hunter Doherty Adams ou mais conhecido Patch Adams.
Após passar por episódios traumáticos e tentar tirar sua própria vida, ele resolve se internar em uma clínica, e em sua estadia nessa clínica, ele percebeu que quase nada era feito para recuperar os pacientes internados, que são tratados de qualquer forma, a atitude dos colaboradores da clínica o deixa intrigado.
Um dia, de forma inusitada, o protagonista auxilia o seu companheiro de quarto a enfrentar um de seus medos, com essa atitude ele descobre seu propósito de ajudar as pessoas e resolve deixar o hospício para tornar-se um médico.
Ao ingressar no curso de medicina, Patch percebeu a mesma frieza que havia no sanatório - também na universidade - e que os pacientes eram tratados como “coisas” e não como seres humanos. Ele notou que a relação entre médico/paciente é vista com desdém. Entendendo isso, ele decide tornar-se um médico que valorize e se importe com o ser humano. Seu intuito é o de melhorar a qualidade de vida dos seus pacientes com momentos de alegria, descontração e amor.
Vou parar por aqui, evitando dar “spoiler” deste filme que é muito bom para refletirmos. Minha inquietação sobre este filme, foi além do que a tela retratava, me interessei sobre a história real, deste médico que atua de maneira tão diferente, do que vemos na maioria dos consultórios.
Pesquisando sobre a vida do personagem, encontrei uma entrevista dele no programa Roda Viva da TV Cultura em 2007 (também indico que assistam), o que mais me chamou a atenção, foi o fato das duras críticas do próprio Patch Adams ao filme que ele ironiza sendo “hollywoodiano”, que se preocupou muito com a bilheteria e deixou de retratar no filme o que ele mais valoriza: “falo de um país que se recusa a cuidar de 50 milhões de pessoas porque são pobres. Ignoram o real motivo da minha luta a medicina gratuita”.
A entrevista continua com outros apontamentos de Patch sobre o filme e seus desafios em seu projeto de saúde, mas paro por aqui sobre os pontos desta entrevista, deixando o convite para que assistam e tirem as próprias conclusões, aproveito a carona com esse episódio para falarmos sobre a incoerência na gestão de algumas empresas, similares ao canto da sereia.
Atualmente, a expressão "canto da sereia" representa algo que tem grande poder de atração em que as pessoas caem sem resistência.
Na Mitologia Grega, as sereias encantavam qualquer um que ouvisse o seu canto e hoje em dia algumas empresas utilizam do mesmo artifício para atrair investidores, parceiros, colaboradores e até clientes com esse recurso.
Normalmente frases bonitas nas paredes e redes sociais, além de uma interação legal no primeiro momento, algumas empresas pegam as tendências na crista da onda (agora é propósito, em seguida autonomia para a equipe, reuniões em pé e até equipe autogerida). Mas com o desenrolar do relacionamento as intenções aparecerem e a máscara acaba caindo com o real motivo da relação, que muitas vezes é a última linha do resultado.
Os impactos negativos desta relação acabam ficando evidentes, pois a equipe muitas vezes é a primeira a perceber os movimentos de incoerência entre a fala e a ação. Por exemplo: missão, visão e valores estão fixados na parede. Na interação com os clientes as palavras proferidas são: ética, propósito e amor, mas quando viramos o disco e a relação é interna, muitas vezes as atitudes são outras: é grito, xingo, pressão e tapas na mesa - Todo esse desrespeito e incongruência leva a desmotivação, consequentemente doenças psicológicas e por fim o turnover alto.
Outra situação costumeira - é a convenção de final de ano - durante o ano as relações são frias e os colaboradores são tratados como objetos que figuram na empresa para gerar resultado, igualmente citado no filme “O amor é contagiante” (Patch Adams), porém na “festa da firma”, vem o grupo famoso de música como elemento surpresa no final do evento, os diretores sobem ao palco com bonito discurso: Todos vocês fazem parte e são peças fundamentais no atingimento dos nossos objetivos – para dar um gás no time – e a vida segue com as incoerências do mundo corporativo.
Em uma entrevista para a revista IstoÉ Dinheiro, o professor indiano Raj Sisodia, um dos precursores do capitalismo consciente, foi questionado com a possibilidade do capitalismo, tal como é hoje, acabar:
“Esse modelo de capitalismo de Wall Street, centrado nas finanças, não tem futuro. O que acontece é que o rabo está abanando o cachorro. Mas negócios não são apenas números, existem pessoas e relações humanas envolvidas. A cobiça não é uma virtude”.
Esse modelo de atuação de muitos líderes com foco apenas em resultado, tem sido cada vez mais questionado, pelo fato de as pessoas começarem a perceber a manipulação das ações. Para Howard Schutzs CEO da Starbucks “A forma como construímos nossa empresa, partilhando seu sucesso com todos e não deixando nosso pessoal para trás, é um exemplo notável de como construir um negócio de maneira correta” – Isto pode virar tendência para mais e mais empresas atuarem de maneira clara com todos os envolvidos.
O movimento pode ser disruptivo, assim como muitas cooperativas (nos sete ramos e em diversos segmentos) que possuem como essência de colaboração e a associação de pessoas ou grupos com os mesmos interesses, a fim de obter vantagens comuns em suas atividades econômicas, existem algumas que acabam tendo incongruentes na gestão? Sim, mas na essência o movimento já nasce com o objetivo claro de todos ganharem.
Com o mundo globalizado onde o acesso à informação está cada vez mais rápido e as pessoas mais questionadoras, a pergunta que fica, vale a pena contar uma história diferente, assim como no filme, apenas para gerar uma receita maior na arrecadação da bilheteria.
Na mitologia o canto da sereia era utilizado para atrair marinheiros, será que vale tudo para obter sucesso nos negócios?
Por Luís Caversan, educador, palestrante e diretor vice-presidente da Cooperativa Coletiva