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Liderança cooperativa – os desafios de liderar, como partícipe do movimento

Publicado em 14/06/2022

Liderar, por si só, é trabalho desafiante, cheio de subjetividades e nuances. Cada organização cria sua própria cultura, da qual o líder é guardião, embaixador e inspiração. Nós, cooperativistas, para além das especificidades desse contexto, carregamos uma responsabilidade adicional – honrar o histórico de nosso movimento, mundialmente regrado por princípios nobres e fundamentais.

Em qualquer organização a boa liderança tem o papel de encorajar e orientar. Encorajar significa ampliar as perspectivas, mobilizar em prol de um propósito, inspirar a efetivação dos potenciais da equipe. Orientar pressupõe zelar pelos processos essenciais, estruturar e organizar juntos o desencadeamento das ações capazes de impactar positivamente os resultados.

Gosto de pensar que a boa liderança é aquela que se torna dispensável, que chega a ponto de precisar conter-se para não atrapalhar a boa performance da equipe, que atingiu maturidade suficiente para caminhar com as próprias pernas. Porém, quando falamos em liderança cooperativista, acredito que tais fatores ganham uma magnitude ainda mais elevada.

Somos parte de um movimento vanguardista, pautado em princípios universais. Acredito que cada um dos princípios deva ser vivenciado no dia a dia de nossas cooperativas, e as lideranças são os principais promotores de tais feitos. Em nossas “casas de ferreiro”, só devemos admitir espetos de ferro.

Para viver, na prática, o princípio da “adesão livre e voluntária” na gestão das equipes, há de se desenvolver uma liderança capaz de engajar seus colaboradores, de modo que cada indivíduo tenha a consciência de fazer parte da cooperativa por opção (e não pela falta dela!).

O princípio da gestão democrática, para que haja coerência, há de se espelhar em condutas de liderança participativa, de modo que não ocorra centralização de poder, permitindo voz e vez aos colaboradores.

A participação econômica dos membros evoca o desenvolvimento contínuo da visão de resultados e a sensatez diante de nossas decisões e ações. Ter em mente que cada sócio é dono do negócio, motiva a ampliar o compromisso com a saúde financeira da cooperativa, em cada pequeno gesto. Sendo assim, retrabalho, desperdício, falta de planejamento, negligência no uso de recursos – tudo isso significaria descaso com o bem comum cooperativo.

Autonomia e independência - como apregoar esse princípio doutrinário de modo íntegro, se não por meio do empoderamento dos colaboradores? Seria um contrassenso o discurso neste caminho e a prática de mera relação com a “mão de obra”, que aproveita unicamente a força de trabalho, descartando o potencial criativo das pessoas.

Educação, formação e informação, constitui um belo (e necessário!) desafio para as lideranças cooperativistas. Para ser líder é mandatório agregar a função de educador. Desenvolver pessoas e fortalecer suas competências – responsabilidades que podem ser julgadas terceirizáveis em empresas tradicionais – entretanto, premissa-chave em nosso contexto.

O sexto princípio, da intercooperação, nos conduz à mobilização pautada na conexão – entre equipes, entre áreas, entre colaboradores e cooperados, entre cooperativas distintas, entre singulares e centrais. Essa compreensão, de que somos um sistema vivo e integrado que deve ser fortalecido em benefício de cada um e, ao mesmo tempo, de todos, imprime ao movimento maior força e relevância – e cabe às lideranças manter essa compreensão ampliada junto a seus times.

E, para fechar, o interesse pela comunidade provoca as lideranças a primarem pela visão sistêmica e promovê-la junto a seus colaboradores. Não é à toa que os dois pinheiros nos acompanham há tanto tempo – não há o econômico sem o social, e vice-versa. Deste modo, fica evidente que muito do que se apregoa em conceitos e filosofias modernas de gestão é premissa cooperativista desde sempre, e precisa ser vivenciado em todos os níveis de nossas cooperativas. A liderança é figura-chave para garantirmos a integridade e a consistência em nosso posicionamento – dentro e fora das organizações.

Mas o mundo mudou e a liderança precisa acompanhar. Será mesmo?

Quando olhamos o espectro dos métodos, técnicas e abordagens, sim, muita coisa mudou! Hoje fala-se em metodologia ágil, liderança exponencial, Canvas, Design Thinking, entre tantas outras novidades. Tais recursos ferramentais se modernizam com grande velocidade, e os líderes devem sim buscar extrair o melhor disso tudo que está à nossa disposição. Porém, acredito que tais instrumentos sejam apenas uma camada mais superficial daquilo que podemos focar para um maior entendimento de tais mudanças.

Quando nos dispomos a um olhar mais profundo, compreendendo as crenças e valores da liderança, há uma essência que precisa ser resgatada. Ao compreender aquilo que é alicerce na liderança, acredito que o nosso movimento cooperativista já abarca boa parte das necessidades inerentes às relações contemporâneas de trabalho.

Daniel Pink, aclamado estudioso da motivação, por exemplo, contribui na perspectiva da evolução da liderança. Trabalhadores que atuam em funções repetitivas e pouco desafiadoras, por exemplo, demandam um tipo de liderança que seja mais focada no modelo de recompensas extrínsecas. Se o trabalho não gera condições de ser fonte de satisfação, por ele mesmo, há de se imputar artifícios alheios às funções, de modo a manter algum desejo de realização. O velho sistema de recompensas e punições que, em contextos pontuais, pode sim ser funcional.

Contudo, há bastante espaço para aquilo que Pink nomina “Motivação 3.0”. Trabalhos que exijam algum grau de criatividade e ambientes que permitam a proposição de melhorias, podem ser geradores de recompensas intrínsecas. O motivo para agir está atrelado ao próprio exercício da função. Pink defende que a motivação, nesse cenário, é constituída pelo tripé: propósito, autonomia e excelência. Ao conectar-se a uma causa inspiradora, as pessoas empoderam-se de seu protagonismo e buscam oferecer seus melhores potenciais. Obviamente, para que esse ciclo virtuoso ocorra, a liderança é componente fundamental. Nota-se, em nossos dias, uma demanda crescente de líderes que compreendam esses avanços.

A liderança cooperativista, quando íntegra aos preceitos doutrinários, demonstra ampla aderência a necessidades latentes atribuídas aos millennials, por exemplo. Falar em sustentabilidade, diversidade, inclusão, equidade, justiça, impacto social, trabalho com causa, parecem temas novos, mas desde 1844 já são pauta das cooperativas.

Entendo que, mais do que a mudança na liderança das organizações, vivemos um momento de retorno às origens cooperativistas, para aproveitar o que já temos de muito positivo – sem descartar, obviamente, o que pudermos aprender com os bons exemplos de empresas inovadoras. Tudo isso, sem perder a nossa essência, jamais!

Porém, o modelo de gestão de uma cooperativa, também se inspira em modelos clássicos, com a presença da hierarquia por padrão de estrutura. Hierarquia e inovação podem coexistir numa cooperativa?

Nem sempre a inovação reside na quebra da hierarquia pois, se a cultura organizacional for baseada na autocracia, tal ação não passará de um modismo que não terá sustentação. Promover um ambiente de segurança psicológica, quebrar a cultura de punição aos erros, propiciar o real empoderamento dos colaboradores, abrir espaços para o diálogo e à construção coletiva de soluções para o negócio, são ações necessárias para que a inovação saia do campo das intenções.

É muito difícil ser criativo num ambiente em que o medo se instale. Hierarquias rígidas com organogramas engessados, trazem a mensagem subliminar da desconfiança. Portanto, sanear as estruturas e enaltecer a potência dos indivíduos para, aí sim, questionar os modelos vigentes, tem impactos mais perenes do que, simplesmente, romper tais barreiras sem a observância da cultura.

Viver, verdadeiramente, o princípio da gestão democrática, permitindo a participação dos colaboradores de modo que se sintam partícipes das decisões e resultados, tem efeito mais duradouro numa cooperativa que deseje instalar uma cultura de inovação.

Embora algumas organizações aparentem ser altamente digitais ou mecanicistas, olhando com atenção, veremos que quaisquer organizações são fundamentalmente constituídas por pessoas. Negócio é feito de relações humanas. A “pessoa jurídica” não passa de uma abstração e todo CNPJ é a somatória de vários CPF’s.

A única forma de ter a humanização como vantagem é tratando as pessoas, de fato, como pessoas. Pós-revolução industrial, houve uma inversão de valores – as pessoas passaram a servir para fazer aquilo que as máquinas não eram capazes (daí a necessidade das recompensas extrínsecas, como alerta Pink!).

Hoje, a revolução tecnológica e a chamada indústria 4.0, nos colocam em estado de alerta. A presença da inteligência artificial, os algoritmos, a realidade aumentada, a internet das coisas, põem em questão o papel do humano diante deste novo cenário.

À liderança cabe o desafio de resgatar aquilo que nos diferencia das máquinas e colocar a serviço do negócio. Tratar gente como gente e fortalecer os relacionamentos em favor das soluções empregadas aos clientes e/ou cooperados. Aproveitar o potencial das pessoas e, juntos, pensar e realizar contribuições efetivas e rentáveis.

Porém, se insistirmos, teimosamente, em tratar gente como coisa, de nada servirá o fator humano (arrisco afirmar que ele pode, inclusive, se tornar uma desvantagem diante de todo o aparato tecnológico à nossa disposição!).

Ao conectar, adequadamente, as pessoas a serviço das demandas humanas, considerando nossa inteligência socioemocional, nossa capacidade de empatia, o olhar interessado, o desejo de contribuir, o potencial criativo, a inventividade, a habilidade de aprender e desaprender, aí sim, a nossa humanidade será um diferencial relevante e capaz de despertar o melhor nas relações e, consequentemente, em nossos negócios cooperativos. 

Vivemos um momento bastante delicado e imprevisível. Após a pandemia do Corona, nossa economia demandará ações inovadoras e capazes de reincluir muita gente no mercado de trabalho. Tenho a esperança de que isso ocorra com um outro nível de consciência, mais desenvolvido e coletivista. E o cooperativismo é uma solução promissora e efetiva para a superação do que está por vir.

Seguir propagando o movimento cooperativista, encorajar e orientar a constituição de novas cooperativas, fortalecer aquelas que já temos e manter a fé e a resiliência para construirmos um futuro mais equilibrado – para as pessoas, para as comunidades, para os países, para o planeta e para a vida, é um desafio necessário, que precisaremos encarar. 

 

O axioma tríplice, que herdamos de nosso patrono, padre Theodor Amstad, nos indica um caminho de ação:

“O pastor tem de conhecer seu rebanho”

Esteja por perto e crie vínculos com a sua equipe;

 

“O que puderes fazer hoje, não o deixes para o dia de amanhã”

Mantenha o senso de urgência e zele pela eficiência e produtividade;

 

“A ordem vem a ser metade do trabalho feito”

Estabeleça objetivos e mantenha a organização e o bom planejamento, de ideias, ambientes, cronogramas, projetos e realizações.

 

Orientações simples e impactantes. Olhar para o passado também inspira caminhos para um futuro de prosperidade. Em frente! Saudações cooperativistas (como é feliz poder me despedir com essa expressão)!

 

Por Maíra Santigo, diretora-presidente da Cooperativa Coletiva