Quem diria que esse dia chegaria tão depressa. No alto dos meus 39 anos, me enquadro na zona de indefinição. Alguns me categorizariam como geração X, outros me considerariam millenial, ou geração Y. Amigos afirmam que sou “velha de alma”, portanto fico confortável de olhar para essa nova geração sem me incluir com tanta convicção. O que talvez me ajude numa espécie de distanciamento antropológico.
Os millenials são uma realidade irreversível, e já representam 50% da força de trabalho, segundo pesquisa recente divulgada pela revista Época Negócios. Até 2030, serão 70% dos trabalhadores em nosso país. Em 10 anos, portanto, dominarão o mercado. Nossa turma não é assim tão moderninha: nossos millenials ainda dão certo valor à propriedade. Quando pensam na casa própria, 89% dos nossos dão importância à essa aquisição – frente a 40% dos millenials pelo mundo afora. Quando o assunto é ter um carro, 51% dos nossos ainda desejam essa posse, versus apenas 15% dos nascidos no mesmo período em outras freguesias.
Muito se propaga as características descoladas dessa gente digitalizada. São extremamente tecnológicos e não têm medo de experimentar inovações. Porém, carregam também algumas carências, importantes de ser vistas quando pensamos no ambiente de trabalho. Pesquisa da Udemy, de abril desse ano, revela as habilidades necessárias e mais difíceis de aprender, na ótica dos ípsilones. São elas: liderança (35,5%), habilidades técnicas (32,5%), criatividade e pensamento crítico (pasmem: 24%!) e gestão do tempo (8,2%).
Se desejarmos aproveitar esse bônus demográfico que já estamos vivendo em nosso país, será preciso adaptar os ambientes de trabalho para essa multidão – antes que eles mesmos o façam, por sua própria conta e risco. O grande lance é: como fazer?
Vivemos uma Era de Extremos (já anunciava Hobsbawm nos idos anos 90!). Coexistem as tão afamadas startups com empresas um tanto arcaicas. Dinossauros e unicórnios, nessa fauna corporativa. Unicórnios são raros, dinossauros aparentemente terão baixo poder de fidelização dessa geração dominante. Porém, há pequenos cardumes que, quando olhados de perto, demonstram seu poder de adaptabilidade e podem ser um tanto atrativos, agregando as quatro gerações numa mesma tribo.
A partir de um artigo publicado no LinkedIn (que demorei a começar a usar – mais um flagrante de ser uma millenial de meia tigela!), recebo alguns comentários de gente que eu jamais poderia imaginar. Dentre eles, um diretor de uma corporação. Confesso que muito me alegrou ter conseguido conquistar a atenção de alguém de cargo tão elevado. Despretensiosamente, meu artigo suscitava a reflexão sobre representatividade, e o tal comentário mencionava o próprio negócio como case, especialmente no que tange à equidade de gênero. Agradeci e, timidamente, pedi uma reunião virtual, pra saber mais sobre as práticas daquela organização. Meu pedido foi aceito e uma conversa descontraída se desenvolveu a partir daí.
Servir para transformar vidas. Já começa em alto grau o posicionamento da instituição – eis o propósito que declaram. Têm uma diretora executiva à frente do negócio. Que, além de mulher, é millenial “puro sangue”, com seus 35 anos. O público interno é majoritariamente feminino, não apenas na base da pirâmide, como também nas posições de liderança. Pessoas com orientação homoafetiva também fazem parte da organização, com naturalidade e aceitação – inclusive, 100% do público “diverso” se autodeclara aceito e incluído. A favorabilidade dos indicadores nas mensurações do GTPW só cresce, pelo terceiro ano consecutivo.
Insisto na curiosidade e questiono quais são as ações e políticas afirmativas realizadas, para obtenção de tal performance. A resposta: nenhuma! Pois é. A tratativa focada na cultura organizacional, que é capaz de priorizar – autêntica e verdadeiramente – o ser humano, aparenta tornar pouco necessária a afirmação das pautas dos grupos minoritários. Com exceção da inclusão das pessoas com deficiência que, apesar de já estarem acima do que exige a lei de cotas, ainda desejam fomentar – e o fazem por meio de um programa estruturado e sistêmico para encontrar e acolher essas pessoas na rotina da equipe.
A filosofia de gestão se inspira no modelo Disney e há quatro chaves de excelência que pautam as ações e tomadas de decisão: segurança (financeira, física e psicológica – priorizam a ética para garantir a perenidade do negócio); relacionamento (zelar pela escuta ativa e empática, com todos os agentes); solução (oferecer o que de fato condiz com as necessidades identificadas, jamais empurrando produtos ou serviços); eficiência (atuar com agilidade e simplicidade, falando a língua do outro). Ou seja, apesar de um propósito bastante filosófico, há um cuidado contínuo para que reverbere na prática.
Os indicadores econômicos confirmam as boas escolhas no modelo de gestão. O crescimento do negócio vai além das metas projetadas e a expansão tem sido rápida, porém sustentável. E olha que o cenário econômico não está de brincadeira. A queda da taxa Selic os afeta diretamente, por se tratar de uma instituição financeira.
Nesse segmento, que se digitalizou sobremaneira nos últimos anos, essa instituição entendeu que não bastam os avanços high tech – a diferenciação virá da manutenção dos relacionamentos, que seguirão sendo high touch.
Com isso tudo, a promoção de valores ditos como femininos são uma mera consequência. Afirmada, espontaneamente, pela interrupção alegre e afetuosa da Dona Jane. Uma das primeiras funcionárias de lá. Ao nos ver na tela, abre um sorrisão, nos manda um beijo e deseja um bom-dia – daqueles que a gente sente ser um desejo real. Aproveitamos o mote e nos apresentamos a ela, que diz pretender trabalhar por lá pelo menos mais uns 25 anos – produtivamente, batendo o ponto e servindo as pessoas. E quer isso por vontade própria, pois ela “não tem código de barras”, embora tenha feito recentemente uma tatuagem, que é arte, e que aproveita pra mostrar pra gente.
É certo que uma interação virtual não é suficiente para atestar coisa nenhuma – e jamais foi essa a intenção. O contato, mobilizado pelo real combustível do aprendizado, a curiosidade, foi muito além da percepção de conteúdos e discursos. A relação entre eles, diretora, diretor, Dona Jane, é notadamente algo incomum em muitas empresas. O modo de honrar a história do negócio e reverenciar a trajetória das pessoas, com desprendimento e generosidade, foi algo emocionante de presenciar (e olha que já estou nessa estrada há algum tempo e sou osso duro pra me emocionar – deve ser coisa de geração X…). A gratidão mútua pelo apoio, incentivo, encorajamento e o senso de união, em nome de algo maior, estava ali, a olhos vistos. Enquanto tem gente que ainda está na vida de “feedback sanduíche” e motivação pautada em recompensa e punição.
Negócio é gente com gente. Discurso batido, óbvio, evidente, redundante. Que muita gente ainda não entendeu. Pra viver isso profundamente é preciso desenvolver um modelo mental de abundância, que enxerga em cada ser humano um mar de potencialidades. Vale pra essa gente de dentro e de fora da organização. Não dá pra levar uma vida feliz restrita apenas ao happy hour e finais de semana. Ver a abundância é entender que o trabalho precisa, mesmo, proporcionar a chance da felicidade, antes, durante e depois. Marcos e Roberta, a Transpocred é um oásis. Obrigada por permitir o acesso à essa utopia possível.
Os negócios têm muito o que evoluir para conseguirmos gerar prosperidade com a convivência entre baby boomers, geração X, millenials e geração Z. Reaprender o trabalho cooperativo é um desafio imenso, especialmente quando observamos a nossa estrutura social e educacional. Olhemos para o cooperativismo como fonte de inspiração para a promoção da diversidade, da inclusão e da prosperidade. Nos tempos dessa tal juventude, é uma questão de estratégia e sustentabilidade dos negócios.
Por Maíra Santiago, diretora-presidente da Cooperativa Coletiva