Cooperativas constroem um mundo melhor – eis o nobre slogan deste que é o 100° Dia Internacional das Cooperativas ou, simplesmente, #coopsday. Evidentemente, me coloco a refletir e atrevo-me a questionar tal lema. É mais do que sabido que negócios são pessoas. Cooperativas, como negócios que são, não fogem a esta regra. Pelo contrário, carregamos com ainda mais ênfase o aspecto humano – somos sociedades de pessoas que agregam capital, e não sociedades de capital que vinculam pessoas.
Aí vem a reflexão. Será que são as cooperativas que realmente constroem um mundo melhor?
Freire apregoa, com maestria: somos seres condicionados, mas não determinados. Curioso que essa frase sempre me soou como libertação. O condicionamento decorrente de nossa educação, de nossa cultura, de nossas vivências, não teria o poder de determinar quem viríamos a ser.
Nossas instituições também nos condicionam. Muitas das empresas da chamada “velha economia” nos deram condições para que nos tornássemos mais competitivos, egoístas, ambiciosos, acumuladores. Ainda assim, nem todos nos condicionamos desta maneira. Afinal, mesmo em ambientes predatórios é possível viver a solidariedade, a gentileza, a colaboração – por vezes em medidas restritas e contidas, é fato.
Observemos, entretanto, o sentido inverso. Uma cooperativa, ainda que amparada por princípios doutrinários tão elevados e vanguardistas, é uma organização de pessoas. Por isso, vulnerável à atuação de cada indivíduo.
Diferente da declaração de princípios de alguma corporação, nosso caso se faz mais grave, pois constitui-se referencial legal da constituição de nossas cooperativas. Se nos debruçarmos sobre o quarto deles, por exemplo, está escrito: autonomia e independência. Porém, será que, o simples fato de haver tal descrição, torna as cooperativas, naturalmente, autônomas e independentes? Por qual motivo, neste caso, estaríamos observando um triste declínio do número de cooperativas do ramo trabalho em nosso país? Segundo dados do anuário do cooperativismo da OCB, em 2020, o número das cooperativas deste ramo se reduziu em mais de 20%.
Se o cooperativismo é tão bom, por que nossas cooperativas de trabalho estão se reduzindo?
Se o cooperativismo é tão revolucionário, por que ainda somos tão desconhecidos?
Mesmo em nossos ramos mais afamados, como o crédito, o que justifica não termos filas de potenciais associados, avolumando-se às portas de nossas agências, para desfrutar dos inúmeros benefícios de nosso modelo?
Quem faz as cooperativas são as suas pessoas. Cooperados e colaboradores. Que podem seguir vivendo neste nosso contexto – tão promissor e futurista – muitas vezes orientados por condicionamentos: um risco que pode nos levar às velhas práticas e crenças.
Sem protagonismo não existe cooperação. Sem o entendimento de que cooperar demanda ativismo, nosso movimento se torna inócuo. Sem a percepção da necessidade de vivenciar a autonomia nas atitudes mais simples, nos tornamos discurso estéril.
É urgente nos conscientizarmos de que, para fazer girar a chamada “economia solidária”, da qual fazemos parte, é preciso primeiro dar, para depois receber – com a licença da Oração de São Francisco de Assis.
Que o dia de hoje seja tempo de celebração, para também revisitarmos as nossas práticas cotidianas. Para olharmos os nossos atos buscando congruência em relação ao movimento que representamos. Que seja tempo de resgatar o desejo da construção de um mundo mais justo e fraterno, que começa por nós.
“Sem o desejo não há sonhos de uma vida melhor,
não há utopias de um mundo mais justo e fraterno.”
Leonardo Boff,
em O pescador ambicioso e o peixe
encantado – a busca pela justa medida
Sigamos juntos!