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Cooperar é démodé?

Publicado em 07/06/2022

Com essa palavra “démodé” no título, o que vem à lembrança é minha mãe dizendo: Ah, no meu tempo era assim ou assado… Leve um casaco! Observe as amizades… diga com quem tu andas e eu te direi quem és! Além de outras muitas frases que os mais experientes normalmente utilizavam para passar algum ensinamento.

 

Depois da melancolia deste passado – nem tão distante – quero aproveitar o ensejo da palavra démodé. Você sabe seu significado? É uma palavra de origem francesa e quer dizer algo antigo, velho, fora de moda, que não se usa mais. Talvez por isso meus exemplos no emprego dessa palavra pelos adultos em minha infância. Nessa época de juventude, além de ouvirmos termos menos utilizados hoje em dia, algumas atitudes como cooperar eram tão naturais. Normalmente queríamos brincar com nossos colegas e tínhamos os mesmos desejos e vontades naquela fase, com o passar do tempo e o acúmulo de coisas que fazemos no dia a dia, essa simples ação de cooperar pode passar despercebida. 

 

Cooperação é uma ação conjunta para uma finalidade, objetivo em comum. Se tratando da mesma intenção, vou exemplificar a ação de cooperar analisando uma reunião de condomínio – que milhares de pessoas moram nos dias atuais – todos possuem as mesmas necessidades de um lugar bom e agradável para morar. Compartilho minha experiência em uma reunião de condomínio.

 

Recebi nas últimas semanas uma convocação de reunião extraordinária para tratar sobre 2 pautas: apresentação das contas e orçamento para o próximo ano. Assuntos do interesse de todos. Minha esposa e eu moramos neste apartamento há 3 anos, mas como eu tinha uma função que demandava viagens semanais e a agenda nunca permitia minha participação, és que essa foi minha primeira reunião.

 

Dia e local combinado, na chegada notei que parte dos 160 condôminos estavam presentes. Existe todo um processo que precede o evento – todos devem assinar a lista de presença, entrar no espaço, acomodar-se e aguardar o início dos trabalhos. O representante do condomínio toma a palavra e convida 2 voluntários para compor a mesa (um fiscaliza a condução e o outro cria a ata da reunião), até aqui o mesmo modelo de outros eventos de trabalho.

 

Para minha grata surpresa, a reunião começa a tomar outra forma, similar a uma “novela mexicana”. Muitos moradores desejavam atender seus próprios interesses e começaram a falar mais alto, em alguns momentos foram utilizadas palavras de baixo calão (esse termo é démodé!), acreditando que com a força ou desrespeito as coisas poderiam ser resolvidas, todo este episódio teve duração de quase duas horas. Daí a reflexão: todos moram no mesmo condomínio, com a necessidade que as coisas evoluam para o bem de todos e o convívio seja o mais harmonioso possível, sendo assim, cooperar para alguns pode ser démodé por uma série de fatores: individualismo, competitividade e desejo de ascensão, soma-se a isto a vida cotidiana cada vez mais corrida e, então, muitos se preocupam com o seu e o resto que siga em frente.

 

Nas organizações vemos este tipo de atitude de maneira recorrente, por exemplo, a área comercial que possui necessidades mensais no atingimento dos resultados com seus vendedores atuando, precisam criar estratégias para conseguir mês a mês superar suas metas de maneira sustentável para o bem da organização. Nesta mesma corporação existe uma área responsável por organizar e dar fluidez aos negócios fechados – a área administrativa. Ambos os setores são primordiais para o bom desempenho comercial, mas no dia a dia o que vemos na maioria das empresas é uma briga interna com egos inflados e diversas justificativas, sem um olhar sistêmico e com pouca empatia para perceber que todos estão realizando o seu melhor para o bem comum.

 

O fator de individualismo nas relações, seja em uma assembleia de condomínio ou nas organizações, pode ser percebido como algo ruim, assim demonstra uma pesquisa apresentada no livro “Subliminar” de Leonard Mlodinow. O estudo foi realizado com crianças de 6 meses de idade e que já interpretam atitudes de “ajudante” ou “empecilho” – atitudes realizadas por bonecos utilizados durante o experimento.

 

Ao término desta ação, os pesquisadores levavam os bonecos próximos às crianças – que tinham maior aceitação quando se aproximavam dos que auxiliavam (Ajudantes) e se esquivavam dos que atrapalhavam (Empecilho). Os cientistas descobriram que parte do nosso cérebro ligado ao processo de recompensa é estimulado quando participamos de atos de cooperação mútua, de forma que ser bondoso talvez represente uma recompensa em si. Muito antes de conseguirmos verbalizar atração ou repulsa, já nos sentimos atraídos pelo bondoso e repelimos o malvado.

 

Se nas relações uma criança consegue perceber que atitudes mesquinhas podem impactar, antes mesmo delas saberem falar, nós adultos com a leitura de ambiente e de expressões conseguimos tirar conclusões muito mais diretas na vida pessoal e profissional.

 

Em relação ao ambiente corporativo o autor James Surowiecki em seu livro “A sabedoria das multidões” diz: “O ponto básico é, juntos, somos mais inteligentes do que um de nós em particular”. A pessoa que neste mundo global, complexo e veloz achar que é capaz de dar conta do trabalho que tem em mãos e que pode, ao mesmo tempo, trazer novos negócios para a empresa está destinada ao fracasso. As grandes empresas não querem um lobo solitário. Elas querem alguém que saiba trabalhar em equipe. Da mesma forma, as pessoas valorizam demais atitudes simples em relação a gentileza, atenção e empatia pelo outros.

 

Em meus vários anos de carreira no ambiente organizacional, uma situação que fica nítida é o poder da cooperação para o bem comum, porque no ambiente que as pessoas se ajudam, existe empatia sobre as ações e o desejo do grupo de se tornar mais forte que o individual, a tendência é de resultados excelentes em todos os âmbitos.

 

Por isto podemos resgatar as frases de nossas mãe e avós que diziam “você não é todo mundo…” e fazer com que o auxílio seja um de nossos principais recursos, independente do outro fazer ou não.

 

Se para uma criança tem tantos impactos positivos a interpretação de ações de ajuda e cooperação, imagine para quem agora conhece a palavra démodé.

 

Por Luís Caversan, educador, palestrante cooperativista e diretor vice-presidente da Cooperativa Coletiva